Preconceito ainda é constante nos estádios espalhados pelo Brasil
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Não se engane: tem gay, lésbica, bi, trans e várias outras minorias ocupando sua torcida. Então, a história de “time de homem”, remetendo a um estereótipo de heterossexualidade, já deveria ter ficado no passado. É crescente o movimento de pessoas LGBTQIA+ nas arquibancadas do futebol. O problema é que elas nem sempre compartilham da mesma tranquilidade vivida pelo homem hétero nesses ambientes. Aí, sim, há um grande debate a ser feito.
Não é coisa de agora: membro da Brigada Marighella, uma autointitulada torcida de esquerda e que luta pela democratização do Vitória, Wesley Francisco vive a atmosfera de estádio há pelo menos 20 anos. Fonte Nova, Pituaçu, Barradão… onde quer que o Leão esteja, ele faz questão de estar junto. O gosto pelo futebol vem da família.
“Vivo no estádio. A questão da homofobia é horrível porque indispõe, não é agradável, não é legal para mim nem para meus amigos. O espaço é machista e sei disso. A reação natural é se portar o mais próximo daquilo que é esperado. Sei que tenho algumas vantagens porque sou um gay, cis, branco. Mas fico pensando como seria para minhas amigas trans irem ao estádio, por exemplo?”, questiona Wesley.
Wesley aponta que caminho enxerga para que a realidade se transforme. “Na Europa ou em outros lugares, as iniciativas partem muito mais das federações, dos clubes, para que eles façam campanhas, movimentos mostrando que aquele espaço pode ser compartilhado por qualquer pessoa. Um lugar onde pobre sente ao lado de rico, o preto do lado do branco. E por que não o gay? Vamos vibrar com o mesmo jogo, com o mesmo espetáculo. O que está passando por seus olhos está passando pelos meus”, argumenta.
Ações
O Bahia é um exemplo de instituição que chamou para si a responsabilidade de se posicionar no combate à homofobia. Coordenador de Ações Afirmativas do Clube, Tiago César afirma que não há limite que defina até onde o tricolor pode ir em relação à defesa do que considera uma sociedade mais justa e igualitária.
Além das campanhas publicitárias e das linhas de camisetas com mensagens contra o preconceito, o Bahia tem outras medidas como, por exemplo, adotar a utilização do nome social de associados(as) e funcionários(as) transexuais.
“Uma instituição com a relevância social do Bahia precisa pautar a sociedade sempre que grupos sociais precisem de uma proteção institucional e, infelizmente, sabemos que as desigualdades não vão acabar por agora. Enquanto houver desigualdade, o Bahia vai se posicionar”, garante o coordenador do Esquadrão.
Para uma mudança de mentalidade efetiva acontecer, Tiago César vê a educação como a melhor alternativa. “O que federações e clubes precisam fazer é educar sua comunidade: torcedores, sócios, funcionários, atletas. O esporte é um eixo de bem-estar social através da promoção de ações de igualdade. O Bahia não apenas trabalha no campo da educação, trabalha no campo da prática em outras vertentes, lançando produtos que falam de igualdade de gênero, combate à homofobia, igualdade racial ou de assuntos da pauta antirracista”.
Torcedora tricolor, a estudante Kauana de Souza herdou da mãe o amor pelo clube, mas tinha receio de frequentar o estádio. Durante boa parte dos seus 30 anos, acompanhou as jornadas pela televisão, próxima a amigos e familiares: um ambiente que julgava ser mais seguro para uma mulher transexual.
Neste ano, recebeu uma ligação com o convite para ser animadora de torcida do Bahia por um dia. Aceitou de bate-pronto e com tranquilidade, mas viveu dias de incertezas quando o momento da rodada dupla com jogos do Bahia contra Confiança e Doce Mel - os últimos do time dentro de casa antes da pandemia do coronavírus - se aproximava.
“Meu maior medo foi de ouvir coisas desagradáveis. Fiz a minha transição, mas ainda não está do jeito que sonho, então fiquei com medo de ser motivo de chacota. Quando cheguei no estádio, comecei a me tremer de medo. Acho o estádio algo lindo, que tenho mais vontade de frequentar, mas não me sinto segura para isso”, lamenta Kauana.
Ela tem a esperança de que dias de mais liberdade cheguem para torcedoras e torcedores LGBTQI+ e acredita que estará viva para ver o dia em que não haverá preconceito dentro de estádios. Uma percepção que aumentou depois de seu dia como animadora de torcida.
“Posso garantir com toda certeza que foi a melhor coisa que vivi. Chorei muito de emoção, alegria. Acho que esse é o caminho. O melhor que eles podem fazer é abraçar toda a área que abrange o LGBT. Incentivar que frequentem sem preconceitos. Somos gente como qualquer pessoa”, dá o recado.
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